Conquista na Cará - Fase: Jungle Fight


O que tínhamos pela frente agora era uma imansa laca acoplada na muralha da Pedra Cará, composta de algumas fendas, diedro, chaminé e muita vegetação. O que certamente iria agilizar a conquista, certo? Pooooorra nenhuma! Mais uma vez as aparências nos engana.

As belas montanhas do Córrego do Palmital. Foto Oswaldo Baldin.

Essa foi a terceira investida nessa montanha que é destaque da cadeira de monolitos do Córrego do Palmital em Pancas. Ela é plano de fundo da casa da família Eggert, que lá reside a 'mãezona' Dona Joana e seu filho - gente boa - Fabinho. Uma família que acolhe os montanhistas que lá se hospedam, e que já tenho o prazer de conviver já há um bom tempo. E sempre sendo pressionado - e questionado - pela Dona Joana e sua clássica sinceridade: "E ai Baldin, essa conquista não vai sair não?"

Vamos lá, close - e foco - nela! Foto Vandelei Zermiane.

Mas tudo começou no ano de... pultz, não me lembro o ano! Quando eu e o Marcos 'Tatu' resolvemos iniciar a primeira via dessa muralha, por sua linha óbvia e mais natural. Na ocasião conquistamos uma enfiada e meia por um positivo tranquilo.

A linha escolhida resumidamente se divide em três partes: a primeira em 'escalada de face' (agarras, cristais, proteção fixa), uma parte central que é a tal já citada e caracterizada pela 'escalada de aventura', e uma ultima parte no testão final, aparentemente igual ao início.

Primeiros metros da aventureira Pedra Cará. Foto Oswaldo Baldin.

Depois desse pontapé a via acabou ficando adormecida por um bom tempo. Até que chamei o Sandro Souza para a empreitada, visto seu gosto - as vezes estranho - de coisas no universo da escalada... Já diria a velha história que gosto é igual a... cada um tem o seu e, respeitemos!

No início de 2013 (também não me lembro o mês) junto com o Sandro, rendeu de terminar a segunda enfiada, e seguimos pra seguinte. Que começou em livre, mas depois a rocha inclinou, os cristais sumiram, e tivemos que terminar em furos de cliffs talon de 1/4. Atingimos o platô que daria início ao longo lance da "escalada de aventura". E assim terminamos o dia, e a investida, que na época minha furadeira havia sido roubada, e na munheca esse foi o saldo de conquista que conseguimos em um dia.

 Inicio da terceira enfiada. Foto Oswaldo Baldin.

Analisamos o que tínhamos pela frente e resolvemos que o melhor para que uma logística  culminasse, era recrutar mais um elemento, e entrar na parede no estilo cápsula, que é quando não se deixa cordas fixas para trás, e vai subindo e arrastando tudo parede acima para a sobrevivência dos próximos dias.

Refletimos então que a empreitada agora demandaria trabalho bruto e desgastante, na porcentagem de, 80% de sofrimento e 20% de prazer no momento da conquista, pois após culminar e sair da montanha o mais rápido possível (em segurança) e ir tomas as cervejas comemorativas, ai sim tudo se transforma em prazer. E foi neste raciocínio que surgiu o terceiro elemento, com características contundentes para a empreitada: Hermes 'Soldado'.

 O trecho da escalada de aventura pela frente. Foto Hermes Thorvalden.

Planejamos, trocamos uma porrada de emails alinhando o que levar tentando minimizar as tralhas, e lá fomos nós rumo à Pancas no ultimo feriado de Proclamação da República. Fui na frente com o Soldado na quarta, para agilizar de repetir as três primeiras enfiadas e rebocar o Tonin até a P3, para assim agilizar os três próximos dias de conquistas com a chegada do Sandro na quinta. Enchemos o menino com 50 litros de água, e puxamos ele trilha acima quinem um cachorro na coleira. Contamos com a ajuda do Fabinho, nosso anfitrião de sempre, e de mais um conterrâneo que abriu uma trilha melhor pra gente.


Tonin, composto por 50l de água em sua estrutura. Foto Oswaldo Baldin.

O trabalho de reboque de Haulbag ou de "TonelBag" é sempre algo ááááárduo! Mas digo que o Tonin nos ajudou. Apesar de seus 70 kilos (além da água tinha material de conquista dentro), ele deslisou bem pelos cristais dos Pontões Capixabas, o que um haullbag nornal teria dificuldade. E assim executamos o trampo: escalando, rebocando, tomando pancadas de chuvas, instalando cordas fixas, e finalizando a missão da quarta. E no anoitecer descemos pra cidade para reidratar com alguma(s) cerveja(s). "A Escalada tem que fomentar a economia local. Pratique o turismo sustentável!"

Partiu iririu pra ir molhar a goela. Foto Oswaldo Baldin.

Na quinta partimos pra parede com o trio formado, e para passar os próximos três dias pendurados. Pra aumentar a carga, mais uma mochila cargueira de 100 litros pesaaaaada! O dia estava instável, nublado, e rolando pancadas de chuva. Na P3 tomamos uma dessas, e isso atrasou retomarmos a conquista. Mas o Sandro catou uns móveis e iniciou o que viria a marcar o início da fase Jungle Fight da via: uma miscelânea entre fendas e vegetação, proteção móvel e natural.

 Quarta enfiada com um diedro supimpa! Foto Oswaldo Baldin.

E assim rolou de conquistar a quarta enfiada, que mescla trechos de vegetação com um diedro lindo no meio, finalizando numa parada bem vertical. Dali avançamos mais uma enfiada por um platô,  e a noite baixou. O problema é que tinha muito trabalho de logística ainda pra ser resolvido, e isso foi consumindo a noite. Foi trampo rebocando o Tonin, arrumando o acampamento (vertical), tudo em um espaço bem ruim de se movimentar. O jantar foi servido às 23 horas, e a pernoite iniciou com as redes instaladas em três andares, com direito a chuva na madrugada, molhando a favela vertical, e principalmente a laje, onde eu me localizava.

A favela. Foto Sandro Souza.

O dia amanheceu nublado na sexta. Acordamos tarde devido a noite mal, e pouco dormida. Mas a vida segue, e a via também! Agora por uma esquisita chaminé média, que foi se estreitando virando de meio corpo, se estreitando mais, e exigindo que o capacete fosse tirado para passar, até que ela expulsou o Sandro pra fora o fazendo escalar em agarras. Sabe aquela história que falei no início sobre gosto? Pois é, como ele gosta desse tipo de coisa, obviamente que esse trecho ficou pra ele sem nenhuma onda de escolher na porrinha, zerinho ou um, ou o que seja.

 Onde está o Wally? Foto Oswaldo Baldin.

Finalizado o trecho, peguei uns poucos móveis e passei por uma fenda, ganhei um platô e fui numa horizontal que tem um momento que a vegetação abre e revela lá em baixo a casa da Dona Joana. Enquanto isso o Soldado sofria carregando um mochilão pesado, se esquivando entre galhos.

Mais um pôr do sol se foi, e ai descemos para nossa favela pra tentar uma noite melhor... mas se a noite anterior foi bem mais ou menos, essa foi ainda pior, com presente pra mim! Minha rede rasgou, e por pouco não despenquei em cima do Soldado, que consequentemente despencaria em cima do Sandro, visto que os parafusinhos que sustentavam nossas redes provavelmente não resistiriam. Peguei minhas trejebas, e andei pelo platô pra caçar um lugar pra dormir, e a melhor posição que encontrei foi, sentado.

Amanhecendo no montanha. Foto Oswaldo Baldin.

O sabadão amanheceu bonito, ensolarado e radiante, bom pra colocar as roupas no varal. Tomamos café - sempre cozinhando num pequeno e desajeitado platô - e fomos subir pelas cordas fixas. Era chegada a hora de enfrentar a verdadeiro a cereja do bolo do Jungle Fight. Troquei o magnésio por um par de luvas, que seriam muito mais eficazes pra varar mato acima. No trecho rolaram duas fendinhas para proteger em móvel, mas o que imperava era a vegetação. Eeeeita vegetação! Chegando no final da enfiada fui presenteado com mordidas de cupins, e a finalizei num platô com arvores de porte considerável, muito boas. Estava  eu lá de boa, me livrando dos cupins, e eis que comecei ouvir gritos e xingamentos vindos debaixo, descobrindo que fodi com a vida do Soldado, que lutou para passar com o mochilão dentro do emaranhado que fiz por entre os galhos.

A cozinha. Foto Oswaldo Baldin.

O trecho seguinte era neste mesmo climax de trepa mato, e como já estava aclimatado segui por ele. Sandro veio em seguida trazendo a furadeira para enfim batermos a parada no bico da imensa laca do Jungle Fight. Lá nós pudemos visualizar a parede careca, sem vegetação, que nos separava do cume. Mas o problema foi que o tempo acabara, e tivemos que descer deixando para uma próxima - e espero que ultima - investida.

Efeitos colaterais... três dias sem tomar banho. Foto Oswaldo Baldin.

Os dias que circundam o Natal deste ano, segundo rege a lenda, está reservado para ser longe do chão e em busca de um cume. Que assim seja, e que o bom tempo esteja conosco!



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